Um velho farol
Passam os dias e as semanas escorrem entre meus dedos, só vejo os pássaros e os peixes,o sol, a lua,o vento e a chuva.
Entra ano e sai ano e eu aqui no farol, resistindo ao tempo e a solidão.
Isolamento e introspecção, meu monólogo no farol não tem fim.
Ao entardecer,com o passar dos minutos o sol vai se escondendo e a paisagem fica bucólica. Ao anoitecer o farol é acesso, a forte luz que sai dele orienta alguns navegantes que por aqui cruzam.
A monotonia toma conta do ambiente, visitas aqui são raras, principalmente no fim do outono e chegada do inverno...amanhece...escurece....amanhece...
Há dias,principalmente os nublados e ventosos que ouço vozes,o mar cinza esverdeado mostra-se agitado, então consigo ver muitas sombras nas paredes do velho farol, quantos rostos e pinturas ainda inacabados.
Durante o dia, mesmo com o frio e as brumas, caminho muito, mas o segredo para não cansar é observar a natureza, cantar, pensar, escrever e desenhar, converso com a fauna, a flora e com o farol que um dia me acolheu e me acolhe.
Sobriedade e quietude são imagens do inverno daqui, me acostumei com essa atmosfera de solidão que se desfaz em calma e muita paz.
No verão alguns estrangeiros aportam por aqui, porém permanecem por pouco tempo, pois talvez não suportem a solidão e as vozes das marés à noite, aqui eles não tem muito o que fazer, a não ser observar e compreender a natureza e a si mesmos...
Quando vem a tempestade, o mar assusta e algumas embarcações se perdem e encostam aqui, apenas para tomar um fôlego e logo estão de partida...
O farol não é um porto de embarque e desembarque, mas atrai navegadores e impõe respeito aos que não estão acostumados com a sua altivez, com a bravura do oceano e as vozes da natureza.
Aprendi a meditar lendo e relendo o lento caminhar das tartarugas ou compreendendo o ágil voo das aves daqui, são minhas companhias do dia.
De todos esses anos que estou aqui, posso afirmar que APRENDI A FALAR A LINGUAGEM DOS PÁSSAROS E A SENTIR A REBELDIA DAS ONDAS DO OCEANO.
É quase impossível imaginar, porém, quando cheguei aqui, tinham pessoas me esperando para que eu ocupasse seus lugares e eles pudessem seguir, e outras que vieram ficaram pouco tempo comigo aqui no farol, foram em outros tempos..se se foram, pelo menos tentaram ...
Desde menina conheço o farol, quando no verão às vezes vínhamos de longe eu, meus pais e meus irmãos para uma pequena temporada, e os ventos do destino sopraram e me trouxeram para cá novamente, dessa vez para ficar e entender o farol e tudo que o cerca, então soube ( sempre soube) que eu pertenço a esse lugar e que ele me pertence, e que aqui tem tudo o que eu preciso...Não é comodidade e sim paz de espírito,aqui eu me encontrei .
Velho farol
Tua luz é projetada ao longe
Amortecendo a escuridão
Tua escuridão
Minha escuridão
A escuridão do mundo
O mar furioso
Acoita as tuas paredes
Em noites de tempestade
Ouço teus gritos
Entre fluxos e refluxos
Das ondas prateadas
Quantos naufrágios
Presenciamos
E quantas embarcações
Orientamos a direção
Não tememos o mar
Sabemos que não existe solidão
Que o silêncio tem voz
Aliás muitas vozes...
Ilumina distâncias
Sem temer o desconhecido
Seria o farol um alquimista?
Aprendi com ele a criar luz
E propagá-la ao longe
Arrebatando as trevas
Resgatando corações
Já sem esperanças do viver
Sou luz que navega pelas ondas
Invade as furnas e montes
Pequenos raios viajam
Aquecendo e soprando vida
Surpreendendo sombras esquecidas
Salvando almas...
Foi o farol quem me ensinou...